quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

FERRO VELHO



"O grande orgulho do Seu Oliveira era o seu ferro-velho, comprado com o dinheiro de toda uma vida. Quando ele se aposentou, vestiu a camisa mais engomada, lustrou os sapatos, fez vinco na calça, passou brilhantina e saiu. Ao voltar, trouxe a grande notícia: finalmente, o ferro-velho era deles! Ao invés de ficar contente, Dona Petrúcia brigou, disse que o marido tinha perdido o juízo. Que iam fazer com um ferro-velho, minha nossa?

- Cuidar da solidão das coisas - ele respondeu.
- O quê?
- Cuidar da solidão das coisas - ele repetiu baixinho.

Dona Petrúcia não acreditou. O marido só podia estar maluco: o ferro-velho estava caindo aos pedaços! Seu Oliveira chamou a mulher para ver de perto. Ela continuou a dizer que estava caindo. Então, ele a chamou para ver ainda mais perto. Mostrou o desenho das falhas, a disposição dos cacos, a alegria embutida das coisas, a luz dançando entre os trapos. O esforço de cada peça em permanecer junto ao seu pedaço, desenhando entre elas uma cicatriz, que era o caminho por onde voltavam, ainda mais belas do que se nunca tivessem partido. Retalhos e cacos, tal como eram, formando um colorido tão grande que ela não encontraria jamais num mundo sem remendos, nunca! Mas ela, cada vez mais nervosa, disse-lhe para vender tudo aquilo. Que diabos! Era tudo um ferro-velho.

- Mas como... - ele não entendia.

Depois que o ferro lhe mostrou a ferrugem, depois que a peça mostrou o por dentro da sua velha pintura; depois que as cerdas se gastaram e o brilho se perdeu com o tempo... depois que as coisas mostraram o seu abandono, o interno de suas fragilidades, como é que ele poderia jogá-las fora? Não, não tinha coragem.

- É muito fácil gostar do que nunca se partiu, Petrúcia..."



Rita apoena

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